O Santo Graal, realidade ou ficção?
Janice Bennett fala sobre a legendária taça da Última Ceia
A história do Santo Graal inspirou vários livros de ficção e imaginação, incluindo filmes muito populares. A verdade sobre a atual localização da taça é menos clara.
Uma pesquisadora, Janice Bennett, autora do livro publicado nos Estados Unidos “St Laurence and the Holy Grail” (Ignatius.com) crê que a história da taça pode ser seguida desde a viagem de São Pedro a Roma, até São Lourenço no século III, e logo sua localização definitiva na Espanha.
Bennett possui um mestrado em Literatura espanhola pela Universidade de Colorado e um certificado de “Advanced Bible Sudies” da Escola Católica Bíblica de Denver. É membro do centro espanhol de Sindonologia, com sede em Valência, Espanha.
Compartilhou com ZENIT suas razões para crer que o Santo Cálice que se venera em Valência é a taça usada por Jesus na Última Ceia.
--O que é exatamente o Santo Graal? Como responde a quem diz que é só uma lenda?
--Bennett: Para os cristãos, o Santo Graal é e sempre foi a taça usada por Jesus para consagrar o vinho na Última Ceia, o autêntico receptáculo que recebeu o sangue de Cristo no apenas instituído sacramento da Eucaristia.
Foi tido em grande estima como um objeto autêntico historicamente falando, que foi usado pelo próprio Jesus, uma relíquia de singular importância para a cristandade porque é um símbolo do Pão da Vida.
O povo de todos os tempos ficou um pouco perplexo de que esta preciosa relíquia tenha originado um importante número de histórias fantásticas sobre guerreiros, monges e reis que se embarcaram em sua busca.
Isto foi assim não só para o povo medieval, mas para pessoas de nosso tempo, dada a atual popularidade das lendas sobre o Santo Graal e filmes tais como “Indiana Jones e a Última Cruzada”, no qual Indiana Jones descobre um grande número de possíveis graals na inverossímil localização de Petra, Jordânia.
Lamentavelmente, o graal que Indiana diz ser autêntico é o menos provável, historicamente falando, porque está feito de madeira, um material poroso que estava proibido na celebração da Páscoa judaica.
É inegável que Jesus utilizou uma taça para a consagração e que esta taça é um objeto histórico, não um mito. Talvez por causa do mistério e fantasia que rodearam esta relíquia por excelência, alguns pesquisadores atuais criaram um cenário pelo qual o Santo Graal poderia estar relacionado com temas que vão desde o Santo Sudário até Maria Madalena.
Outros definem o Graal como nada mais que um questionamento pessoal ou uma exploração do ser, ou o relacionam com toda sorte de antigas lendas e ritos da fertilidade, conduzindo a uma grande confusão como a que temos atualmente.
--Por que chegou a interessar-lhe sua existência e paradeiro?
--Bennett: Meu marido e eu visitamos a Capela do Santo Graal na catedral de Valência no princípio dos anos 90. Pensei que era muito estranho que disseram ter a taça usada por Jesus na Última Ceia, porque nunca ouvi nada parecido nos Estados Unidos.
A única informação disponível era um pequeno folheto, não muito bem traduzido ao inglês, que mencionava o Papa Sisto II, confiando a taça a São Lourenço no ano 258 depois de Cristo, e que São Lourenço a enviou para a Espanha nas mãos de um soldado espanhol. Também oferecia uma breve história da relíquia na Espanha. Anos mais tarde, quando pesquisava sobre relíquias na Biblioteca Nacional de Madri, recordei aquele folheto. Busquei informação sobre São Lourenço e encontrei uma tradução muito interessante de um documento que se diz escrito por São Donato, no século XI, que não só contém uma biografia dos primeiros anos de São Lourenço, mas que confirma que esta mudança aconteceu.
Ao mesmo tempo, encontrei um livro, escrito pelo sacerdote responsável por cuidar a relíquia, no princípio da guerra civil espanhola de 1936. Quando examinei as fotos de onde havia sido escondida durante o conflito --dentro das espumas do sofá, no compartimento secreto de um armário e atrás de uma parede de pedra--, fiquei verdadeiramente surpresa das dificuldades que a relíquia sofreu através dos séculos.
Imediatamente me dei conta de que tinha de pesquisar a história desta taça em profundidade. O Santo Cálice de Valência não só reivindica sua autenticidade mas tem detrás uma longa tradição e uma história fascinante que apóiam completamente esta afirmação.
--Que se pensa que sucedeu ao Santo Graal imediatamente depois da Última Ceia?
--Bennett: Muitos estudiosos crêem que o Cenáculo --a casa na qual aconteceu a Última Ceia-- , e o Santo Cálice eram propriedade da família de São Marcos, o evangelista, que se fez de intérprete de São Pedro em Roma.
São Marcos e São Pedro viviam em relação estreita e parece ter sentido que São Marcos desse a Santa Taça a São Pedro, pela simples razão de que era muito importante para os primeiros cristãos usar relíquias na liturgia, e Pedro era a cabeça da Igreja.
A tradição espanhola afirma que São Pedro levou o Santo Cálice consigo para Roma, onde o passou para seus sucessores até a perseguição de Valeriano, no ano 258. Devido ao grave perigo de que a preciosa relíquia caísse em mãos dos romanos, São Sisto II, sabendo que logo seria martirizado, confiou a taça a seu tesoureiro e diácono, São Lourenço. Este, por sua vez, deu-a a um soldado espanhol, pedindo-lhe que a levasse para Huesca, Espanha, onde sabia que sua família se faria cargo dela. Esta muito antiga tradição se apóia em muitos fatores: o cânon romano da Missa, o fato de que a taça não se menciona em Roma até o século III, vários documentos, e a presença tradicional e histórica do Santo Cálice na Espanha.
--Qual é sua teoria sobre a história do Santo Gral e a atual localização?
--Bennett: Muita gente crê que há centenas de possibilidades sobre o autêntico Santo Graal, na linha do velho dito de que se se reunissem os pedaços da Verdadeira Cruz estendidos pelo mundo, haveria madeira suficiente para uma dúzia de cruzes. Não é este o caso.
É verdade que no século XVI havia umas 20 taças que reivindicavam a honra de ser a autêntica usada por Jesus na Última Ceia. Mas hoje nenhuma delas é considerada autêntica, com a exceção do Santo Cálice de Valência e a taça de Antioquia.
A taça de prata de Antioquia tem uma capacidade para dois litros e é demasiado grande para poder passar de mão em mão, em torno à mesa da Última Ceia, durante a comunhão eucarística. O interessante, contudo, é o fato de que São Jerônimo mencionasse que havia duas taças sobre a mesa da Última Ceia, uma taça de prata que continha o vinho para a ceia, e uma de pedra que foi usada para a instituição da Eucaristia.
Só o Santo Cálice de Valência, com a parte superior de pedra de ágata, responde à descrição de São Jerônimo acerca da taça usada por Cristo na consagração. Quando se examina sua tradição e história em detalhe, é completamente evidente que tudo concorda. Não creio que alguém possa desautorizar a teoria de que o Santo Graal é, com efeito, o Santo Cálice de Valência, Espanha.
--Que fábulas modernas equivocadas detectaram os modernos estudiosos sobre o Santo Graal e sobre quem esteve envolvido em seu traslado?
--Bennett: Quando falamos do Santo Cálice de Valência, um dos problemas foi uma lacuna de informação substancial e sobre os fatos que vão mais além da tradição de São Lourenço, e outra foi a afirmação errônea de que há muitos graals que reclamam ser o que o Papa Sisto II deu a São Lourenço. Os fatos com freqüência se mesclam com afirmações falsas e material legendário, de tal maneira que fazem duvidar sobre a possibilidade de chegar alguma vez a saber a verdade. Um sério rival da tradição de São Lourenço, ao menos na opinião popular, é a lenda de que São José de Arimatéia, do poeta Robert de Boron, que confirma a lenda apócrifa de Nicodemos, acrescentando que José de Arimatéia levou o Graal a Glastonbury, para unir a cristandade aos ossos do legendário Artur, que se supunha estar enterrados ali.
Narra que José de Arimatéia recolheu o sangue de Cristo em uma vasilha que foi usada como bandeja para o pão e o cordeiro pascal na Última Ceia, e logo a entregou ao deus celta Bron, que a levou ao Ocidente como um talismã de imortalidade.
Não é difícil ver que esta lenda não se baseia em nada jamais provado e o graal neste caso não é uma taça histórica, mas uma bandeja que não existiu na realidade. Este é um exemplo perfeito de mescla de fantasia e realidade, literatura e lenda que permite muitas discussões sobre o Santo Graal.
--Por que o Santo Graal deveria interessar aos cristãos na atualidade?
--Bennett: O Santo Graal deveria interessar aos cristãos de hoje pela mesma razão pela qual sempre foi venerado, através dos séculos, como a taça usada por Cristo para instituir a Eucaristia.
É muito apropriado que esta última “descoberta” sobre o Santo Graal coincida com o Ano da Eucaristia, que foi proclamado pelo Papa João Paulo II, na festa de Corpus Christi em junho e começou em outubro. Na celebração deste sacramento, tão central à fé, ao longo de todo o ano, os católicos estão chamados a honrar a Eucaristia para recebê-la com mais fé e refletir mais profundamente seu significado em suas vidas e na vida da Igreja.
A história do Santo Cálice de Valência é uma maravilhosa recordação da importância deste sacramento na vida da Igreja, tão evidente no cuidado por conservar através dos séculos o recipiente usado por Cristo na instituição da Eucaristia.
A história inicia com São Pedro, primeira cabeça da Igreja, que levou a taça sagrada a Roma para usá-la na liturgia da Missa. Segue com os santos Sisto e Lourenço, ambos martirizados por recusar entregá-lo aos romanos.
A Igreja da Espanha protegeu a taça da invasão muçulmana no século VIII e anos mais tarde vemos o mesmo respeito e heróico valor em quem salvou a taça da destruição durante a Guerra de Independência e a Guerra Civil espanholas.
Graças a seu desejo pessoal, em 1982 o Santo Padre foi o primeiro Papa a celebrar a Missa com a relíquia desde São Sisto II, no século III, e hoje os cristãos de todo o mundo podem venerar esta taça tão especial.
Este é um milagre de nossos dias que pode dar-nos ocasião para profundas reflexões sobre a importância da Eucaristia em nossa vida diária, de maneira que podemos publicamente proclamar que o sacrifício de Cristo é para a salvação do mundo inteiro, como deseja o Santo Padre.
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